Mestre Vitalino

Vitalino Pereira dos Santos. Filho de lavradores, homem simples de Caruaru que modelando no barro o dia-a-dia do povo nordestino, se tornou um dos mais importantes ceramistas do país: Mestre Vitalino (1909-1963). Sua arte, pioneirismo e generosidade influenciaram toda uma geração de artesãos, tornando o Alto do Moura destaque mundial na arte figurativa. Vitalino nasceu no dia 10 de julho de 1909, em Sítio Campos, zona rural de Caruaru, Agreste de Pernambuco.

O pai trabalhava na roça e a mãe além de ajudá-lo na plantação era louceira, designação dadas às mulheres que faziam utensílios domésticos com barro, exemplo: panelas, potes, jarros, alguidares, pratos e etc. Ainda criança, aos 6 anos de idade, na sobra desse barro da produção de utensílios domésticos de sua mãe, Vitalino brincava modelando. Voltado para o lúdico, reproduzia bichinhos: bois, cavalos, bodes, cachorros, gatos e etc. Note-se que, naquela época, as crianças, principalmente do interior, não tinham acesso a brinquedos produzidos industrialmente, então para se entreterem produziam seus próprios brinquedos. Essa produção era chamada de loiça de brincadeira.

O menino Vitalino vai crescendo, mas continua a brincar de fazer figuras de barro. Além disso, é dono de um grande talento musical, aprendeu a tocar pífano (espécie de flauta sem claves e com 7 furos) e com apenas 15 anos montou sua própria banda, a Zabumba Vitalino, e também chegando a participar de várias bandas do gênero, muito religioso tocava em procissões, novenas e todo tipo de festas de santo da região, sendo chamado popularmente de “músico de novena”.( comentário no vídeo ao lado) No final dos anos 40, Vitalino, já casado com Joana Maria da Conceição (Dona Joaninha) e com seis filhos – Amaro, Manuel, Maria, Severino, Antônio e Maria José se muda para o Povoado Alto do Moura, assim ficando mais próximo ao Centro e à Feira de Caruaru. No local já funcionavam algumas olarias e moravam muitos ceramistas. No encontro com os outros artesãos, Vitalino começa a ensinar sua arte, nessa ocasião, é quando é reconhecido como Mestre pelos próprios parceiros.

Foi na Casa Museu Mestre Vitalino, no Alto do Moura, que Vitalino viveu até o fim da vida e produziu milhares de peças, abrangendo cerca de 118 temas ligados ao imaginário nordestino. Ele nunca se interessou em produzir utensílios domésticos, como era tradição entre os ceramistas da época. Seu repertório incluía bonecos de gente e de bichos. Como um fotógrafo, ele registrava por meio do barro cenas da vida do sertanejo.( comentário no vídeo ao lado) Os ritos de passagem, como nascimento, casamento e morte, estão presentes nas suas peças e revelam hábitos e costumes da região. Imagens que remetem ao crime e à lei também são comuns no seu trabalho, da mesma forma temas como a religião, a seca e a migração. O tema do casamento aparece com frequência, em trabalhos como O Casamento no Mato, O Noivo e a Noiva e Noivos a Cavalo. Os enterros também são composições reveladoras dos hábitos e do cotidiano da região. Comparando-se as obras Enterro na Rede, Enterro no Carro de Boi e Enterro no Caixão, por exemplo, percebe a diferença de status dos mortos, de acordo com o modo como são transportados.

Somam-se a esses trabalhos as diversas procissões criadas pelo artista; cenas do imaginário popular, como em A Luta do Homem com o Lobisome, O Vaqueiro que Virou Cachorro e Diabo Atentando o Bêbado; e aspectos sociais da região, como a seca e a migração, reproduzidos em obras como Retirantes (1960). Outro tema frequentemente representado por Mestre Vitalino é o trabalho. Suas obras costumam expressar a divisão entre atividades laborais e tipos masculinos – vaqueiros e lavradores – e femininos – lavadeiras e rendeiras. O artista também modela profissões do contexto urbano, como dentista, médico, barbeiro e costureira, em parte para atender às demandas do mercado. Há também a série Vitalino Ceramista, um auto-retrato: Vitalino Cavando Barro, Vitalino Trabalhando, Vitalino Queimando a Loiça, Vitalino e Manuel Carregando a Loiça e produz ex-votos. É a partir da criação desses grandes conjuntos, como ficam conhecidos, que sua arte começa a chamar atenção, rompendo os limites da Feira de Caruaru.

Além dos temas, a cor é um elemento importante na obra do artista. No início, a aplicação da cor nos bonecos era integralmente feita com barro de diferentes tons – tauá, vermelho e tabatinga, branco. O brilho das cores era então avivado pelo brunir com caroço de muçunã. Aconselhado por parceiros que usavam outras tintas, Vitalino passou a usar produtos industriais na pintura dos seus bonecos. Data com certeza dessa época o figurado onde predominam o vermelho, o amarelo, o preto, o branco e o azul e também a inclusão do arame, do uso do carimbo para assinar as peças e a pintura dos olhinhos. A introdução de tintas comerciais, na confecção de bonecos, aumentou o impacto da criação de Vitalino sobre o seu público. Como isso saía caro, ele passou a dissolver breu em querosene e a misturarlhes nos preparados comerciais. Finalmente, só utilizava esmaltes comerciais para encomendas do público de maior poder aquisitivo.

Afirma o seu filho Severino Vitalino no vídeo ao lado e seu neto Emanuel Vitalino confirma pessoalmente, que, o primeiro conjunto produzido por Mestre Vitalino foi a cena: “Gatos maracajás trepados numa árvore, acuados por um cachorro, e embaixo o caçador fazendo pontaria com a espingarda."

Mestre Vitalino, em 'depoimento' a René Ribeiro, da Fundação Joaquim Nabuco.

“Estudei um dia de fazer uma peça… Peguei um pedacinho de barro e fiz uma tabuleta; do mesmo barro peguei uma talisca e botei em pé, assim; botei três maracanãs (Gato do Mato) naquele pé de pau, o cachorrinho acuado com os maracanãs e o caçador fazendo ponto nos maracanã pra atirar”

Mas a obra símbolo de Vitalino é o BOI, de acordo com críticos, era o animal que ele melhor representava. O vídeo ao lado do Historiador Frederico Pernambucano corrobora com os fatos.

Historiador Frederico Pernambucano em depoimento à X Fenearte.

“... e o boi de Vitalino não é somente a figura valorizada de uma sociedade pastoril, mas é também um boi alegorizado, com algumas traduções assim ... de entidade...(veja mais no vídeo ao lado)

No entanto, sua atividade como ceramista só se torna conhecida do grande público em 1947. É quando o artista plástico Augusto Rodrigues (1913 - 1993) organiza, no Rio de Janeiro, a Primeira Exposição de Cerâmica Popular Pernambucana, com diversas obras de Vitalino.

Augusto Rodrigues (Recife, 21 de dezembro de 1913 – Resende, 9 de abril de 1993) foi um educador, pintor, desenhista, gravador, ilustrador, caricaturista, fotógrafo e poeta que se notabilizou por ter sido pioneiro na criação de escolas de arte para crianças no Brasil.

A partir dessa exposição, segue-se uma série de eventos que contribuem para torná-lo conhecido nacionalmente. Em 1955, peças de Vitalino integram a exposição Arte Primitiva e Moderna Brasileira, na Suíça. O sucesso de Vitalino e o interesse cada vez maior pela arte popular repercute entre os ceramistas do Alto do Moura. Muitos começam a copiar suas técnicas, sem se importar com a concorrência, Vitalino incentiva mais artesãos a entrarem no mundo da arte figurativa, ensinando de bom grado o seu ofício.

Em 1960, com o estímulo dos irmãos João e José Condé, Mestre Vitalino viaja pela primeira vez. Vai ao Rio de Janeiro, onde participa de exposições, programas de televisão, exibições musicais e é homenageado. O mesmo acontece em Brasília, seu destino no ano seguinte. Em meio ao sucesso Brasil a fora, Vitalino morre vitimado pela varíola, em sua casa no Auto do Moura, era o dia 20 de janeiro de 1963. O legado de Vitalino passa a ser perpetuado pelos seus filhos Manuel e Severino, e pelos filhos dos seus filhos, além das famílias dos seus discípulos, na época calculado em 15 pessoas. Hoje não há um número oficial, mas estima-se em cerca de 700 artesãos do barro no Alto do Moura.

Inauguração do Museu de Arte Popular em Caruaru, 1961. Da esquerda para a direita: MacDowell Holanda (locutor), escritor José Condé, cônego Zacarias Tavares, jornalista Antônio Miranda, juiz de direito Amaro de Lyra, César Severino Ferraz, (delegado de polícia), prefeito João Lyra Filho (descerrando a fita), Mestre Vitalino, diretor de administração do município Jório Valença, paisagista Abelardo Rodrigues.

Os bonecos de Vitalino ganham novas formas e contornos, podem ser vistos nas miniaturas de Marliete, nos jogos de xadrez de Vitalino Filho, e em muitas outras peças que vão ganhando o mundo. A semente Plantada por Vitalino transformou uma simples vila de oleiros em um dos mais importantes centros internacionais de arte figurativa em Barro.

Na grandeza de sua arte e do seu legado, Vitalino vive!

Comentário Crítico

Segundo a pesquisadora Lélia Coelho Frota, autora de livro sobre o artista, Vitalino representa um agente-chave de transformação na região. Pelo reconhecimento artístico alcançado por mestres como ele e o sucesso comercial da cerâmica no mercado nacional, a partir de sua geração, famílias inteiras se ocupam desse ofício na comunidade do Alto do Moura, em Caruaru. E transforma o povoado em referência nacional na produção de cerâmica, concentrando cerca de 700 artesãos, considerado pela Unesco um dos mais importantes centros de arte figurativa das Américas. Nesse processo, Vitalino é o principal agente de renovação visual, criando diversos motivos, e dono de um estilo pessoal marcante, que se revela na expressividade das feições e gestos e posturas corporais, na composição teatralizada das cenas. Embora todos esses aspectos de sua arte justifiquem a notoriedade alcançada por Vitalino, em certa medida seu sucesso está relacionado a uma tendência cultural mais ampla de valorização dos traços populares, considerados originais e exemplos de brasilidade. Inegavelmente sua produção é interpretada como representativa dessas manifestações "autênticas" e "simples" que muitos intelectuais e artistas, na primeira metade do século XX, elegem como modelo.

Cronologia do Mestre Vitalino

1909 Vitalino nasceu no dia 10 de julho de 1909, em Sítio Campos, zona rural de Caruaru, Agreste de Pernambuco.
1915 Realiza aos seis anos de idade os seus primeiros bonecos de barro.
1924 Vitalino cria a banda Zabumba Vitalino, da qual é o tocador de pífano principal.
1947 Participa no Rio de Janeiro da 1ª Exposição de Cerâmica Pernambucana, com diversas obras.
Fim dos anos 40 Muda-se para povoado Alto do Moura – Caruaru/PE.
1955 Peças de Vitalino integram a exposição Arte Primitiva e Moderna Brasileira, na Suíça.
1960 Primeira viagem, vai ao Rio de Janeiro, onde participa de exposições, programas de televisão, exibições musicais e é homenageado.
1961 Segunda Viagem, Vitalino vai a Brasília, onde também participa de exposições, programas de televisão, exibições musicais e é homenageado.
1960 a 1963 Vitalino viaja pelo Brasil participando de exposições e mostrando suas técnicas.
1963 Em meio ao sucesso Brasil afora, Vitalino morre vitimado pela varíola, onde hoje funciona a Casa Museu Mestre Vitalino, era o dia 20 de janeiro de 1963.

Algumas Imagens

Fontes Consultadas

  • FROTA, Lelia Coelho. Mestre Vitalino.
  • RIBEIRO, René. Vitalino: ceramista popular do Nordeste.
  • Emanuel Vitalino, Neto do Mestre.(Pessoalmente)